terça-feira, 7 de outubro de 2008

Uma luz sobre a floresta

(Revista Época Negócios, n.17, jul.08, p.132)

Esqueça o boi, a soja ou o madeireiro ilegal. O maior vilão da Amazônia é nossa incapacidade de entender seus problemas.

De vez em quando alguém das comunidades (do Orkut) me pergunta sobre a Amazônia (mesmo sem saber que eu nasci lá, em Belém, onde fiquei até os 19 anos, antes de vir morar no Rio). Numa dessas, de uma estudante de Eng. Amb. da Univ. do Pará, cheguei a criar um tópico: “Prioridades Ambientais”. A mais recente (veja minha página de recados nos dias 11 e 12 de agosto p.p.) foi a Geógrafa Lizandra, especialista em avaliação e impacto ambiental, que pedia orientação por sentir-se “perdida e sem rumo” em São Gabriel da Cachoeira; no meio da mata, segundo suas palavras. Os maiores problemas da região apontados pela revista, resumo aí em baixo.

1 – DIVERSIDADE REGIONAL
Ao contrário de uma imensa e uniforme mancha verde, a Amazônia Legal tem 521 milhões de hectares, 22 milhões de habitantes e 9 estados, com realidades sociais, econômicas, políticas e ambientais distintas.

2 – DIFERENTES VISÕES
A Amazônia interessa à população local, aos madeireiros ilegais, especuladores imobiliários, fazendeiros, cientistas, ambientalistas e outros grupos. Cada qual tem seus motivos (racionais, emocionais, ideológicos) e procura defender sua visão particular sobre os problemas regionais. É irreal imaginar que seja possível buscar uma solução sem considerar as diferentes visões.

3 – GOVERNO NÃO SABE O QUE FAZER
O governo brasileiro não sabe o que quer da Amazônia e, muito menos, como solucionar seus problemas. A sustentabilidade trata da convergência entre o econômico, o social e o ambiental, mas a gestão da Amazônia é um exemplo de divergência. A nebulosidade institucional (presença do Ibama, Funai, Instituto Chico Mendes, Incra, Instituto de Terras, etc.) alia-se à corrupção e à submissão da floresta aos interesses políticos de oligarquias que se mantêm no poder graças à venda de favores a madeireiros ilegais e especuladores fundiários.

4 – TERRA SEM DONO
Enquanto se discute a soberania brasileira em relação à Amazônia, uma outra questão permanece sem solução: o problema fundiário. A Amazônia, hoje, é terra de ninguém. Após um amplo estudo sobre imóveis rurais na região, o Instituto Imazon concluiu que de 36% de áreas supostamente privadas, apenas 4% têm títulos indiscutíveis. Outros 43% são áreas protegidas e 21% são áreas supostamente públicas. A palavra “supostamente” aparece em mais da metade das terras da Amazônia. Sem clara definição da posse das terras e das regras associadas aos direitos de propriedade, resta a exploração predatória, descompromissada.

5 – CAUSAS DO DESMATAMENTO
Os vilões tradicionais do desmatamento na região são: a soja, o gado, o frango, os madeireiros e até os índios. Na verdade, ele decorre de vários elementos sociais, políticos e econômicos que determinam que o valor da terra nua seja superior ao da floresta em pé. Calcula-se que 80% da madeira consumida no país seja de procedência predatória ou ilegal. Houve época (na década de 70) em que desmatar significava limpar, conquistar, desenvolver. O desmatamento também está associado ao consumo de madeira como energia. Cerca de 70% da madeira brasileira é usada na produção de carvão vegetal (para a produção de ferro-gusa) e uso doméstico. O desmatamento também está relacionado à busca de uma alternativa econômica para o uso da terra. Sem uma política florestal, a terra nua ou com finalidade agropastoril gera mais renda. Leonardo da Vinci, no século 16, já apontava que as florestas devem ir além da madeira, ressaltando o valor de suas frutas, sementes, fibras, seus extratos, óleos e perfumes.

6 – CONHECIMENTO HÁ DISPONÍVEL
Recentemente, a polêmica sobre os índices de desflorestamento trouxe a público a qualidade científica do conhecimento gerado pelo Imazon, no que tange à análise de imagens de satélite. Este instituto foi criado em Belém e, em 18 anos, publicou mais de 200 trabalhos técnicos, boa parte veiculada em revistas científicas internacionais ou publicada como capítulos de livros. O Greenpeace produziu um extenso documento investigativo sobre a produção e o consumo de madeira ilegal. Eu completaria a lista, citando a Embrapa, o Museu Emílio Goeldi, o INPA, o INPE, as Universidades locais, outros órgãos de pesquisa regionais e até organismos internacionais. A ausência de uma solução para a região certamente não acontecerá por falta de informação.

7 – A FLORESTA PODE SER PRODUTIVA
A política florestal deveria contemplar a eliminação do mercado informal de madeira. Ele deve ser substituído pela certificação, pela adição de valor para produtos florestais e pela formulação de regras simples e claras para a comercialização de serviços ambientais. Sementes, frutos, óleos e extratos, se colhidos e armazenados adequadamente, podem depois ser transformados em matérias-primas para mercados sofisticados, como o de cosméticos ou de alimentos. Eu acrescentaria o turismo ecológico, o arvorismo, a observação de pássaros (birdwatching), a pesca turística e outras atividades que envolvam a floresta, de forma sustentável, como o açaí, o dendê e o babaçu.

8 – A EDUCAÇÃO É CRÍTICA
Os indicadores de educação da Amazônia são muito ruins se comparados com o restante do Brasil. Os moradores com mais de 25 anos têm 5,9 anos de estudo, ante 6,5 na média brasileira. Enquanto nas regiões Sul e Sudeste o percentual de jovens entre 20 e 24 anos matriculados nas universidades é de 16 e 15% respectivamente, na região Norte essa taxa não chega a 7%. Assim, tecnologias sofisticadas não são implementadas por falta de mão-de-obra, e o empreendedorismo não se desenvolve. Um bom conjunto de programas de capacitação em tecnologia florestal tropical e madeireira poderia ter reflexo rápido na capacidade brasileira de adicionar valor aos produtos florestais. Um bom programa de fomento de pesquisa da biodiversidade e suas aplicações poderia ser estruturado, sem a necessidade de criação de nenhum novo centro ou de obras civis.

Eu acrescentaria: o desestímulo de carreiras como a Engenharia e Direito, em prol de outras como a Farmacologia, Engenharia Florestal, Piscicultura e Geologia.

9 – LÁ NÃO É LUGAR PRA CULTURAS AGRÍCOLAS
Fala-se que a expansão do agronegócio ameaça a Amazônia. Programas de reflorestamento podem ser implementados como alternativa para a produção de carvão vegetal. A consolidação de uma economia florestal tropical que garanta a preservação da floresta amazônica, deveria integrar-se ao potencial nacional na produção de commodities. Para isso, é preciso integrar a política ambiental à agroindustrial, revisitando-se as regulamentações referentes ao uso da terra. Adendo meu: o solo ruim (78% são muito ácidos e de baixa fertilidade) e as chuvas intensas (em apenas 15 minutos de chuva, 36 litros de água por metro quadrado), em geral, não aconselham políticas agrícolas em grandes áreas. Tirando as atividades agroflorestais e o plantio de frutas exóticas e do dendê para biodíesel, o potencial da região é o turismo e a piscicultura.

10 – OUTRA IMAGEM PARA A AMAZÔNIA
A imagem do Brasil tem sido castigada pelo desmatamento. Com fotos de crianças seminuas e casebres sem paredes, pedimos ajuda a ONGs, bancos e empresas internacionais. “Paguem pela floresta em pé, ou derrubamos tudo!”, é o que parecem dizer nossos especialistas em comércio internacional. A impressão que dá é que estamos consolidando nossa posição como pobres pedintes, chantagistas ou desmatadores envergonhados. O discurso nacional sobre a Amazônia e o meio ambiente poderia passar de defensivo a proativo. Poderíamos mostrar que o país tem condições de garantir sua posição com base na construção de um novo modelo que combine a produção de alimentos em grande escala, uma matriz energética limpa e uma agenda ambiental florestal sólida e sustentável. Não há nenhum impedimento estrutural para que o Brasil assuma essa posição.

OUTROS DADOS:
(garimpados por mim na Internet)
> maior biodiversidade do planeta (cerca de 30% de todas as espécies)
> maior floresta tropical do mundo (3.300.000 km2)
> maior rio do mundo (6.671 km, 91 a mais que o Nilo)
> ocupa cerca de 60% do Brasil (5 milhões de km2)
> abriga cerca de 10% da população brasileira
> produz cerca de 7% do PIB nacional
> vocação: florestal e aquática
> densidade: 2 hab/ km2

Autoria: José Luiz Viana do Couto
e-mail: jviana@openlink.com.br

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