terça-feira, 7 de outubro de 2008

O grande vilão

Não resta dúvida que o grande vilão do meio ambiente no Brasil são os esgotos, que podem ser industriais ou domésticos. No momento, vamos tratar do segundo.

ESGOTO DOMÉSTICO é a água das residências que contem dejetos (produzidos pelo homem, é claro). Seu conteúdo é: água de banho, urina, fezes, papel higiênico, restos de comida, sabão, detergente e água de lavagens. O que se chama de esgotamento sanitário é o conjunto de 3 ações: coleta, tratamento e disposição final. Vejamos cada uma delas.

A coleta consiste num sistema de tubos de cerâmica ou PVC que conduzem por gravidade as águas residuárias, da residência ao local de tratamento ou disposição final. Para se ter uma idéia da vazão de esgotos, usa-se a fórmula abaixo:
Qd = 1,44.p.q/86400 onde:
Qd = vazão doméstica (l/s)
1,44 = coef.retorno (0,8), dia (1,2) e hora (1,5) de maior consumo
p = população servida (habitantes)
q = vazão de consumo de água potável (l/dia.hab)
86400 = coef. de transformação de unidade (l/dia para l/s)
Se considerarmos uma comunidade com mil pessoas e um consumo de água de 200 l/hab.dia, teremos para a vazão de esgotos:
Qd = 1,44 x 1000 x 200 / 86400 = 3,3 l/s
À esta, devemos somar a vazão de infiltração na rede que, se a tubulação for de cerâmica vitrificada e a extensão da rede de um quilômetro, teremos:
Qi = inf.km = 0,0005 x 1000 = 0,5 l/s
Assim, a vazão total nesse trecho da rede e para esta população e infiltração, será:
Qt = Qd + Qi = 3,3 + 0,5 = 3,8 l/s

O tratamento consiste em tornar (bem) menos agressivo o esgoto quando ele for lançado no corpo receptor (destino final). Observe a reação química abaixo, que representa simplificadamente o que acontece com os esgotos domésticos:
C6H12O6N (compostos orgânicos) + O2 (oxigênio) ---> H2O (água) + CO2 (gás carbônico) + NH3 (amônia) + energia
Duas observações: em cima da seta, considerar a ação de bactérias aeróbicas e, após a mesma, os três produtos são compostos minerais.

Assim, tratar esgoto doméstico significa, resumidamente, transformar compostos orgânicos em compostos minerais, pela ação de bactérias. Estas, não precisam ser inoculadas, pois são comuns no esgoto. O Oxigênio (do ar, em geral) pode ser introduzido nas águas servidas por pás mecânicas giratórias acionadas por motores elétricos; acontece nos valos de oxidação, nas lagoas aeradas e nas ETEs de lodos ativados. Ao morrerem, essas bactérias formam um lodo, que precisa ser retirado do sistema por decantação. Só isso.

A disposição final dos esgotos apresenta muitas soluções. Neste esquema didático, mostro o caminho que ele segue assim que deixa as nossas casas:
http://www.ufrrj.br/institutos/it/de/acidentes/esg2.htm
Como pode ver, há soluções que nem precisam de canos (caso da fossa seca ou “casinha”); as chamadas “convencionais”; as redes de esgoto condominiais; e aquelas inovadoras, que usam até aguapés e lentilhas d´água (plantas aquáticas) para o seu “tratamento”. Mais alguns detalhes sobre o dimensionamento hidráulico da rede de esgotos, mostro (ao final) em minha página, no endereço;
http://www.ufrrj.br/institutos/it/de/acidentes/esg5.htm.
Há cerca de 20 anos no Brasil e a milênios em outros países, os esgotos vêm sendo aplicados nos solos como insumo básico da irrigação. Mas isso fica para outro capítulo.

ESGOTO NA IRRIGAÇÃO

A irrigação (Agricultura) retira 70% da água dos rios. Por sua vez, jogamos fora 80% da água potável (servida), sob a forma de esgoto. Então, por que não usar essa água na irrigação ?

Segundo a revista Irrigação & Tecnologia Moderna – ITEM (n.78,p.41,2008), nas duas últimas décadas, o uso de águas de qualidade inferior na agricultura aumentou significativamente, em razão dos seguintes fatores: dificuldades na busca por fontes alternativas de águas para irrigação; custo elevado de fertilizantes; custo elevado de sistemas de tratamento de efluentes e reconhecimento do valor da atividade pelos órgãos gestores de recursos hídricos.

No grupo das águas de qualidade inferior incluem-se: os efluentes de origem doméstica e industrial, o efluente de lodo de esgoto (com mais de 95% de água), os dejetos líquidos de animais, os efluentes do processamento de produtos vegetais; os efluentes da indústria de celulose e papel; os efluentes de agroindústrias; os efluentes de sistemas de drenagem; as águas salinas; e as águas ferruginosas.

A utilização de águas residuárias na agricultura irrigada pode ser uma forma efetiva de controle da poluição, aumento da disponibilidade hídrica, redução na demanda de fertilizantes para adubação convencional apresentando, assim, benefícios econômicos, sociais e ambientais podendo contribuir para melhoria das condições de saúde pública.

Durante o XVIII Conird (Congresso Nacional de Irrigação e Drenagem, realizado em São Mateus-ES este ano), houve uma oficina tratando da “Utilização Sustentável de Águas Residuárias na Agricultura Irrigada”, onde foram abordados os seguintes temas: manejo, equipamentos, tratamento e uso na agricultura irrigada de águas residuárias da despolpa e lavagem dos frutos do cafeeiro; da suinocultura e da bovinocultura; técnicas de tratamento e aplicação sustentável do esgoto doméstico para uso na agricultura irrigada; diretrizes para utilização de esgoto sanitário tratado na fertirrigação de culturas; técnicas de tratamento de efluentes de laticínio para uso na agricultura irrigada; perspectivas do uso de águas residuárias provenientes da indústria sucroalcooleira na agricultura irrigada. No encerramento, esperava-se dos participantes a finalização de um documento contendo as diretrizes sobre o uso de águas residuárias de forma sustentável na agricultura irrigada.

JUSTIFICATIVAS
1) Cerca de 90% de toda irrigação em Israel é feita com o reuso da água de efluentes. Isso também acontece nos Estados Unidos, México, Oriente Médio e outros países/regiões do mundo.
2) São Caetano – SP foi o 1o. município do país a utilizar água obtida do tratamento de esgotos para irrigação e combate a incêndios. Essa água também pode ser usada na rega de locais públicos e limpeza de ruas.
3) Em junho de 2001 a Sabesp (Cia. de saneamento de SP) já vendia essa água a R$ 0,60/m3, enquanto a potável custava R$ 4,00/m3. Portanto, há vantagens econômicas consideráveis.
4) Atualmente cerca de 82% da população brasileira se concentra nas cidades e o consumo aí é maior que na zona rural havendo, portanto, bastante água para ser usada nos “cinturões verdes” e hortas periféricas.
5) Diversos pesquisadores brasileiros que integram o Programa de Pesquisas em Saneamento Básico – PROSAB estão realizando estudos para utilização do efluente das ETEs na irrigação.
6) No Brasil, a maior parte das iniciativas de reuso da água está no setor industrial, onde é especialmente útil.
7) A Organização Mundial de Saúde – OMS assegura que o tratamento primário de esgotos domésticos já é suficiente para torná-los adequados à irrigação de culturas de consumo indireto. No entanto, recomendam-se tratamentos secundário e terciário quando estas águas forem utilizadas na irrigação das culturas para consumo direto, como as hortaliças.
8) Os nutrientes e a matéria orgânica dos esgotos domésticos favorecem a fertilização do solo, melhorando a produtividade das culturas.

PRECAUÇÕES
O controle sanitário das águas utilizadas na irrigação de hortaliças consumidas pela população, principalmente no que se refere àquelas ingeridas cruas, é de grande importância em Saúde Pública, uma vez que podem servir de veículo de contaminação desses alimentos. Entre os germes patogênicos comumente encontrados nos esgotos domésticos, estão: bactérias, protozoários, helmintos (vermes) e vírus. São bactérias (Salmonela, Clostridium, Escherichia, Brucella), protozoários (Entamoeba, Giardia, Balantidium), helmintos (Áscaris, Trichuris, Ancylostomas, Necator, Enterobius, Hymenolepis, Tênias, Strongyloides), virus (o da Poliomielite, inclusive) e outros bichos (literalmente).

Quanto ao solo, devem ser avaliados os aspectos de sodicidade (o aumento do teor de sódio pode causar toxidez a algumas culturas e modificar propriedades importantes do solo), salinidade, excesso de nutrientes (N-P-K), amonificação do lençol freático (se o teor de N-NH3 for superior a 30 mg/L), alteração do pH (os limites devem ficar entre 6,5 e 8,4) e outros.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
O padrão de coliformes fecais e de ovos de helmintos recomendado pela Organização Mundial de Saúde (WHO na sigla em inglês, 1989) para irrigação irrestrita é:
a) <1.000cf/100ml ph="7,9;" ce="1,4dS/m" nh3="31,5mg/L;" p="4,9mg/L;" k="25,2mg/L;" dqo="107mg/L;" helmintos="153" cf="1,4x10^5/100mL." class="smller">CHORUME EM ATERROS Um dos problemas mais importantes no projeto e operação dos aterros sanitários é o manejo do chorume, gerado quando a água (da chuva, principalmente) passa através do lixo. Ao lado do vinhoto ou vinhaça da cana-de-açúcar, é um dos maiores poluentes orgânicos conhecidos.

Muitos fatores influem na produção e composição do chorume. Um dos mais importantes é o micro-clima sobre o aterro: chuva e temperatura. A topografia do terreno também influi no escorrimento superficial da água da chuva, que pode contribuir ou não para a produção do chorume, caso penetre ou não na massa de resíduos. A lista dos 6 principais fatores que afetam a sua produção é:
1) Clima;
2) Topografia;
3) Material de cobertura final do aterro;
4) Cobertura vegetal (depois de encerrado);
5) Fase atual e procedimentos operacionais; e
6) Tipo de resíduos sólidos urbanos (RSU).

A estimativa da produção de chorume é um parâmetro de projeto crítico no desenho de um aterro sanitário. O volume produzido causará elevado impacto ambiental (contaminando o lençol freático, os poços e córregos próximos) e também nos custos de operação (do aterro), coleta e tratamento. A estação de tratamento de chorume – ETC (que dimensionei no tópico abaixo), deve ser concebida para funcionar com a vazão máxima.

VOLUME DO CHORUME
No Manual do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, indicado por mim no dia 21/01/05 no tópico Projeto de aterro sanitário da Comunidade Gerenciamento de Resíduos (endereço abaixo), primeiramente calcula-se a área do aterro multiplicando a produção de lixo (m3/d) pela constante 560 (relacionada a vida útil = 20 anos; altura do aterro = 20 m; taludes de 1:3 e ocupação de 80% do terreno com a área operacional). Depois, multiplica-se esta área (m2) por 0,0004 (se o material de cobertura do aterro for argiloso, o que é desejável), para se obter a produção de chorume (m3/d).
Como o amigo pode observar, trata-se de uma metodologia muito empírica e “bitolada”. Pior é que o assunto é muito pouco estudado no Brasil, ou seja, há poucas alternativas de cálculo. Os sites do exterior, principalmente alguns dos EUA e Inglaterra, são mais explícitos. Ao final, darei o endereço de alguns.

MÉTODO DO BALANÇO HÍDRICO
Um dos mais racionais mostra esquematicamente o aterro, em seção transversal, como se fora um hexágono (polígono de 6 lados) alongado horizontalmente. Na parte de cima, há 2 setas, uma em direção ao solo (indicada por P de precipitação ou chuva) e outra em sentido contrário (indicada por E de evapo-transpiração). Os extremos da figura se prolongam para as laterais, indicando a superfície do solo. Nos lados que indicam os taludes (paredes inclinadas), há 2 setas curvas, que representam o escorrimento superficial da água da chuva (indicadas por R de run-off, em inglês). No interior do polígono há outra setinha, apontada para baixo, significando a retenção da umidade pela massa de RSU e consumida nas reações químicas que se processam nas 4 fases biológicas do aterro (designada por W de water, água em inglês). Finalmente, na parte de baixo da figura, há 2 setinhas apontadas para baixo, uma ao lado da outra, representando o chorume (e designadas pela letra Q, símbolo que, em Hidráulica, representa a vazão ou descarga). A fórmula matemática que representa o conjunto é dado por:
Q = P – E – R – W + I (fórmula adaptada, da Universidade da Flórida, EUA)
Todos esses símbolos foram explicados aí em cima, menos a possível infiltração (letra I) que pode ocorrer lateralmente, se a área externa do aterro não contiver um dreno de cintura, ou seja, contornando toda a área, para evitar que a água da chuva empoçada penetre no aterro.

Agora surgem 2 probleminhas para os Gestores/Engenheiros Ambientais: os cálculos da evapotranspiração e do escorrimento superficial ou run-off, que pertencem à Agronomia/Engenharia de Irrigação e à Hidrologia, respectivamente.

Ao final do post darei o “caminho das pedras”. Chamo a atenção para o uso do bom senso durante este raciocínio, pois costuma-se calcular a produção de chorume num único mês pois, se ele for o mais seco do ano, diminui P (chuva) e maximiza E (evapotranspiração); e vice-versa.

MÉTODO SUIÇO
Uma fórmula mais simples, conhecida como método suíço, é dada por:
Q = (P.S.K)/t onde,
Q = vazão de chorume (l/s)
P = chuva média (mm/ano)
S = área do aterro (m2)
K = coeficiente de compactação (tabelado)
t = tempo contido em um ano (365d x 86400s = 31.536.000s)
Valores de K:
a) compactação fraca = 0,25 a 0,50
b) compactação forte = 0,15 a 0,25

MANEJO DO CHORUME
Não basta estimar a produção de chorume do aterro; há vários procedimentos técnicos para maneja-lo convenientemente, tais como:
a) recirculação (no próprio aterro);
b) evaporação (para diminuir seu volume);
c) tratamento (ETC) seguido de disposição;
d) disposição do chorume em ETEs (estações de esgoto); e
e) combinação dos métodos acima.
Para se ter uma idéia, trabalhos consultados por mim na Internet mostraram que a recirculação do chorume, p.ex., reduz a DQO de 15.000 mg/l para menos de 2.000 mg/l no período de um ano.

CINCO DETALHES
1 – Vi num site estrangeiro a expressão:
Q = I – E – a.W onde,
Q = vazão de chorume (m3/ano)
I = aporte ou infiltração de água (m3/ano)
E = perdas por evaporação (m/ano)
a = capacidade de absorção de água do lixo (m3/t)
W = peso do lixo depositado no aterro (t/ano)

2 – Produção de gás do lixo (GDL)
GDL = 1868.C.(0,014.T + 0,28) onde,
GDL = gás do lixo (m3/t)
C = conteúdo de matéria orgânica do lixo (kg/t)
T = temperatura (oC)
O volume de água perdido pelo lixo sob a forma de vapor durante a geração do GDL pode ser estimada em 0,01 kg/m3 de GDL produzido.

3 – A chuva que realmente incide sobre a massa de RSU (lixo) é chamada de Chuva Efetiva e pode ser calculada pela expressão:
Pe = (1 – c).P onde,
Pe = chuva efetiva (mm)
c = coeficiente de run-off (tabelado)

P = chuva incidente sobre o aterro (mm)

4 – NECROCHORUME = líquido produzido pela decomposição dos cadáveres nos cemitérios, composto sobretudo pela cadaverina, uma amina (C5H64N2) de odor repulsivo, subproduto da putrefação. Existem vários casos de contaminação da água de poços em residências localizadas próximas a cemitérios.

5 – LIXÕES. Em cerca de 64% dos municípios brasileiros o lixo doméstico, quando recolhido, é jogado nos lixões, onde não há qualquer controle do chorume, que contamina o solo, a água subterrânea e os rios mais próximos.

PALAVRAS-CHAVE
Para pesquisa do assunto no Google: Leachate Production
Aterro sanitário, em inglês: Landfill.

CAMINHO DAS PEDRAS
Dados sobre o chorume:
www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/reciclagem/chorume.php
Cartilha sobre RSU:
www.resol.com.br/cartilha4/
Cálculo do chorume em aterros na Univ. da Flórida:
http://msw.cecs.ucf.edu/landfills.html
Site da Inglaterra sobre chorume:
www.landfillpipe.co.uk/Leachate_design.htm
Cálculo da evapo-transpiração:
www.fao.org/docrep/S2022E/s2022e07.htm
(fórmula de Blaney-Criddle da ETP)
http://jviana.multiply.com/journal/item/13
(Ajuda que veio de céu – Quanto as plantas bebem)
Tabela do Coeficiente de Run-Off (Fórmula Racional):
www.ufrrj.br/institutos/it/de/acidentes/drena1.htm
Dados climatológicos (chuvas, temperatura, etc.):
www.inmet.gov.br

Autoria: José Luiz Viana do Couto
e-mail: jviana@openlink.com.br

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