sábado, 23 de agosto de 2008

Conservação da biodiversidade em águas continentais do Brasil

INTRODUÇÃO
A preocupação com a biodiversidade no Brasil tem
crescido acentuadamente nas últimas duas décadas,
acompanhada pela proliferação de organizações conservacionistas
não governamentais e pela legislação
ambiental. Além disso, agências governamentais relevantes
consolidaram-se e expandiram-se, levando à
criação do Ministério do Meio Ambiente. Várias áreas
protegidas foram criadas desde o início dos anos 80 e a
mídia tem dado atenção crescente para a conservação
da vida silvestre.
Aproximadamente 14% das espécies do mundo são
encontradas no Brasil (Lewinsohn & Prado, 2002). Essa
extraordinária biodiversidade ainda é, no entanto, pobremente
conhecida. Para examinar essa afirmação,
realizamos uma inspeção da literatura sobre os artigos
científicos publicados entre 1990 e 12 de dezembro de
2004 na website do Institute for Scientific Information
(Thomson Corporation, 2005) com as palavras “Brazil
and biodiversity”. Como resultado, foram encontrados
apenas 217 trabalhos, um pequeno número que parece
ser típico de regiões neotropicais, exceto para aqueles
países que possuem grandes instituições de pesquisa
internacionais voltadas para estudos da biodiversidade,
como a Costa Rica e o Panamá.
Dentre os 217 trabalhos encontrados para o Brasil,
69% referiam-se especificamente a ecossistemas terrestres
e apenas 11% a ecossistemas de águas interiores.
O restante é relacionado a ambientes marinhos ou
biomas menores. Assim como ocorre com a biodiversidade
terrestre, os estudos com ecossistemas aquáticos
são fortemente direcionados para organismos de maior
porte, mais apelativos. Neste sentido não foi surpresa
observar que os peixes têm recebido a maior atenção.
Neste trabalho examinamos estimativas da riqueza
de espécies nos ecossistemas aquáticos continentais
brasileiros – lagos, lagoas, reservatórios, riachos, rios
e áreas alagáveis associadas – e listamos as espécies
ameaçadas. Também discutimos os principais perigos
para a biodiversidade aquática e algumas estratégias
para sua conservação.

DIVERSIDADE DE ESPÉCIES
O número de espécies nos ecossistemas aquáticos continentais
brasileiros ainda é impreciso e difícil de ser
estimado. Entre as dificuldades destacam-se o número
de bacias hidrográficas jamais inventariadas; a insuficiência
no número de pesquisadores e na infra-estrutura
necessária para amostragens; o reduzido número de
inventários efetuados; a dispersão das informações que
freqüentemente são de difícil acesso e a necessidade
de revisão taxonômica para vários grupos. A despeito
dessas considerações, os resultados apresentados na
Tabela 1, embora certamente subestimados, demonstram
alguns padrões interessantes. Por exemplo, as
águas continentais brasileiras são extraordinariamente
ricas para alguns grupos como algas (25% das espécies
do mundo), Porifera (Demospongiae, 33%), Annelida
(12%), Rotifera (25%), Cladocera (Branchiopoda, 20%) e
Decapoda de água doce (10%). Revisões recentes de
parasitas de organismos aquáticos, especialmente peixes,
têm revelado uma grande diversidade (650 espécies)
e este número considera apenas os platelmintos
(Monogenea, Digenea e Cestoda), acantocéfalos e
nematóides (Takemoto et al., 2004 e referências por ele
citadas).
O Brasil também lidera o número de peixes de água
doce, possuindo 2.122 espécies catalogadas (cerca de
21% das espécies do mundo; Buckup & Menezes, 2003).
Bacias hidrográficas isoladas podem apresentar elevado
endemismo; por exemplo, 60% das 75 espécies de
peixes do rio Iguaçu são endêmicas. Provavelmente
30 a 40% da fauna de peixes neotropicais de águasinteriores ainda não foram descritas e, assim, um número
mais realista para as águas brasileiras pode ser
de 5.000 espécies (Reis et al., 2003). Schaefer (1998)
afirma, baseado em tendências históricas de descrição
de espécies, que esse número pode ser de 8.000. O
número estimado apenas para a região amazônica é de
2.000 espécies (Winemiller et al., 2005). Aproximadamente
400 novas espécies de peixes são descritas a cada
década em águas continentais e Vari & Malabarba (1998)
consideram um eventual aumento de 50% na riqueza
de peixes do mundo (aproximadamente 33.000 espécies).
Os peixes neotropicais (8.000 espécies) contribuiriam
com 24% desse total. Os peixes neotropicais representam
13% da biodiversidade total de vertebrados,
embora ocorram em menos de 0,003% (por volume) dos
ecossistemas aquáticos do mundo. Além disso, há 732
espécies de anfíbios no Brasil (aproximadamente 13%
das espécies descritas no mundo), a maioria das quais
com um estágio obrigatório de sua vida em ambientes
aquáticos continentais (IUCN et al., 2004).

NÚMERO E DISTRIBUIÇÃO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS

A lista de espécies ameaçadas da fauna brasileira apresentada
pelo Ministério do Meio Ambiente (Instrução
Normativa 3, de 27 de maio de 2003 e Instrução
Normativa 5, de 21 de Maio de 2004) inclui 44 invertebrados,
134 peixes e 16 anfíbios (Tabela 2). Dentre os
invertebrados, a maioria das espécies criticamente
ameaçadas pertence aos Porifera: Corvoheteromeyenia
e Racekiela, no estado do Rio Grande do Sul e
Corvospongilla no estado da Paraíba (todos Spongillidae).
Conforme demonstrado na Tabela 2, 33 espécies de
peixes (Osteichthyes) encontram-se criticamente ameaçadas.
A maioria delas é Cyprinodontiformes, pertencente
à família Rivulidae e gêneros Leptolebias (seis
espécies nos estados da Bahia e Rio de Janeiro) e
Austrolebias (três espécies no Paraná e Rio Grande do
Sul). Espécies de Characiformes criticamente ameaçadas
incluem membros dos gêneros Brycon (Minas Gerais,
São Paulo e Rio de Janeiro), Hasemania (Paraná),
Henochilus (Minas Gerais) e Hyphessobrycon (três espécies
em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro).
Gêneros de Siluriformes incluem Steindachneridion (três
espécies em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro),
Pogonopoma, Delturus (ambos em Minas Gerais e
Rio de Janeiro) e Harttia (Rio de Janeiro). Os Perciformes
são dos gêneros Crenicichla e Teleocichla, ambos no Pará.
Todos os estados brasileiros têm pelo menos uma
espécie de invertebrado aquático ameaçada, sendo a
maioria encontrada nos estados do Rio Grande do Sul
e São Paulo. Quando analisadas por região, as diferenças
no número de espécies de invertebrados listadas
são marcantes: 25 no Sul, 23 no Sudeste, 10 no Nordeste,
8 no Norte e 9 no Centro-Oeste. Para os peixes, por
outro lado, apenas 14 estados têm espécies listadas e a
maioria é encontrada no Sudeste e Sul, especificamente
nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro
e Rio Grande do Sul. Isto pode ser o resultado de
vários fatores: (1) o Sudeste e Sul são as regiões mais
desenvolvidas do país e, em decorrência disso, os ecossistemas
aquáticos têm sofrido os maiores impactos;
(2) a maioria dos cientistas que estudam organismos
aquáticos encontra-se nessas regiões e, como resultado,
os registros de espécies ameaçadas também é maior
e (3) há muitas espécies endêmicas de distribuição
restrita nessas regiões.
A sobrepesca, ou a pesca próxima disso, tem ameaçado
as populações de várias espécies de peixes, o
que levou a considerá-las como ameaçadas de sobreexploração.
Entre estas se destacam o tambaqui
(Colossoma macropomum [Characidae]) e os e jaraquis
(Semaprochilodus spp. [Prochilodontidae]) da bacia Amazônica
e pimelodídeos migradores como a piramutaba
(Brachyplatystoma vaillantii [Amazônia]), piraíba (B.
filamentosum [Amazônia]) e jaú (Zungaro zungaro [de
ampla distribuição]).

AS PRINCIPAIS AMEAÇAS PRESENTES E FUTURAS

As principais causas da perda direta da biodiversidade
em ecossistemas aquáticos continentais brasileiros são
poluição e eutrofização, assoreamento, construção de
barragens e controle de cheias, pesca e introdução de
espécies. As ameaças aos ecossistemas aquáticos variam
consideravelmente em número e importância de
acordo com as diferentes regiões do Brasil, a densidade
populacional humana, os usos do solo e as características
socioeconômicas predominantes. Tundisi (2003)
discute as principais ameaças para a biodiversidade
aquática, por região: (1) tratamento inadequado da água
(especialmente no norte); (2) grandes áreas urbanas,
indústrias e agricultura (Sudeste); (3) agricultura, indústrias,
irrigação e aqüicultura (Sul); (4) escassez de água
(Nordeste) e (5) desmatamento, construção de canais e
hidrovias, pesca predatória e pecuária intensiva (Centro-
Oeste, incluindo o Pantanal). A essa lista, adicionamos
a construção de barragens e tratamento inadequado
de esgotos (menos de 30% do esgoto é tratado) em
todas as regiões do Brasil.
72 | Conservação da biodiversidade em águas continentais do Brasil

Uma preocupação especial é a de que a prosperidade
econômica regional não implica necessariamente
no aumento de investimentos para melhoria da qualidade
da água e na conservação dos recursos aquáticos
naturais (Martinelli et al., 2002). As maiores ameaças
à biodiversidade aquática estão nas regiões mais desenvolvidas.
A seguir discutiremos algumas situações
que ilustram a perda da biodiversidade aquática associada
ou diretamente ligada a essas ameaças.
Perdas de espécies e/ou alterações da estrutura de
comunidades têm sido associadas com poluição e eutrofização
de riachos e rios (Marques & Barbosa, 2001;
Martinelli et al., 2002), reservatórios (Pinto Coelho,
1998; Tundisi & Matsumura-Tundisi, 2003), lagoas
(Esteves et al. 2002) e lagos (Barbosa et al. 1993), especialmente
em regiões com altas densidades populacionais
humanas, tais como São Paulo (Martinelli et al.
2002). Um acentuado decréscimo da biodiversidade por
essas razões tem sido documentado até mesmo na
Amazônia, nas imediações de Manaus (Cleto Filho,
2003).
O assoreamento é problema em um grande número
de bacias hidrográficas brasileiras e vem ampliando-
se pela expansão das fronteiras agrícolas. Efeitos
sobre a biodiversidade têm sido documentados no Pantanal
(Mourão et al., 2002) e, para macroinvertebrados,
em riachos do Cerrado (Wantzen, 2003), da Mata
Atlântica (Buss et al., 2004) e da Amazônia (Callisto et
al., 1998).
Mais de 600 barragens (40.000 km2; volume de 6,5 x
1011m3) foram construídas no Brasil, principalmente para
produzir eletricidade (A. Agostinho, dados não publicados).
Barragens, que interrompem os movimentos de
peixes potamódromos, são possivelmente o principal
fator que afeta a abundância de espécies migradoras
(reprodução e fragmentação de hábitats). A biodiversidade
de planícies de inundação a jusante das barragens
é também afetada pelo controle do regime de cheias
através da redução das áreas de planície alagada,
retenção de nutrientes e alteração nos hábitats proporcionada
pela erosão (Agostinho et al., 2004b). A
montante das barragens, os impactos dependem das
características do reservatório (localização, morfometria,
hidrologia), desenho da barragem, procedimentos
operacionais, descarga, tipos de solo e interação com
outras barragens. Em geral, extinções locais e alterações
abruptas da estrutura das comunidades ocorrem
como resultado de mudanças no tempo de retenção e
qualidade da água. Os novos projetos de barragens, que
deverão piorar a já precária situação da biodiversidade
aquática, estão concentrados na bacia amazônica e em
riachos menores espalhados por todo território brasileiro.
Os maiores rios fora da Amazônia têm suas possibilidades
de aproveitamento hidrelétrico virtualmente
esgotadas.
Introduções de espécies resultam em grandes impactos
sobre a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos.
Introduções de peixes, tanto de espécies nativas como
exóticas, são comuns no Brasil e resultam da irresponsabilidade
de parte do pessoal envolvido com a pesca
recreativa, estocagem e aqüicultura. Levantamentos
realizados na bacia do rio Paraná (51 locais; 2.100 amostragens)
revelaram que piscívoros da Amazônia são
os que alcançam maior sucesso nessas introduções.
As introduções de espécies de peixes também alcançam
maior sucesso em corpos de água com elevado
grau de endemismo e naqueles regulados por barragens
(A. Agostinho et al., dados não publicados). No
sistema de lagos naturais do Parque Estadual do Rio
Doce, Minas Gerais, a riqueza de espécies de peixes
declinou em todos aqueles nos quais houve introduções,
nos últimos 50 anos (Godinho, 1996).
Invasões por invertebrados bentônicos têm também
causado sérias conseqüências. Dois bivalves invadiram
as águas brasileiras nas últimas duas décadas – o
berbigão-de-água-doce (Corbicula fluminea) e o mexilhãodourado
(Limnoperna fortunei) (Darrigran & Drago, 2000;
Takeda et al., 2004). C fluminea já foi registrado até mesmo
na Amazônia (Beasley et al., 2003) e no Pantanal
(Callil & Mansur, 2002). O rio Paraná tem sofrido declínios
nas populações de várias espécies nativas de bivalves
simultaneamente ao aumento das densidades de
C. fluminea (Takeda et al., 2004).
Duas gramíneas introduzidas (Panicum repens L. e
Brachiaria subquadripara [Trin.] Hitchc.) invadiram o Pantanal
(Pott & Pott, 2003) e reservatórios da bacia do rio
Paraná, dominando espécies nativas. Considerando-se
o importante papel das macrófitas aquáticas para a
manutenção das comunidades de peixes e invertebrados
aquáticos, essas introduções podem ter sérias conseqüências
para as comunidades aquáticas dessas áreas

INICIATIVAS DE CONSERVAÇÃO E PESQUISA
A conservação da fauna e flora terrestres tem sido a
principal razão para o estabelecimento da maioria das
áreas protegidas nas ultimas três décadas. No Brasil,
muitas dessas áreas também protegem corpos d’água
e importantes áreas alagáveis, porém suas faunas terrestres
e aquáticas têm sido pouco estudadas, ou mesmo
inventariadas. Dados recentes mostram que apenas
5% das áreas protegidas dos trópicos foram inventariadas
para um ou mais grupos de organismos
(Hawksworth, 1995).
Áreas protegidas nas quais os organismos aquáticos
têm sido intensamente inventariados demonstram a
importância desse esforço para a conservação da biodiversidade.
Em levantamentos realizados em menos
de 10% da área de proteção ambiental da Planície de
Inundação do Alto Rio Paraná (526.000km2; 0,4% do
bioma Mata Atlântica), por exemplo, foram encontrados
50% das espécies de peixes e 6% dos anfíbios
registrados para todo o bioma (Agostinho et al., 2004b)
e 58% dos anelídeos (Takeda et al., 2004), 50% dos
rotíferos, 49% dos cladóceros, 40% das tecamebas
(Lansac-Tôha et al., 2004), e 8% das algas (Train & Rodrigues,
2004) registrados para o Brasil. Estes dados revelam
a elevada riqueza de espécies da bacia do rio Paraná
ou, mais provavelmente, a falta de levantamentos equivalentes
nas demais áreas do Brasil. Desta maneira, o
conhecimento da biodiversidade de água doce nas unidades
de conservação brasileiras e o entendimento da
distribuição dessa biodiversidade são desafios prioritários para a próxima década.
O manejo dos recursos aquáticos, em especial peixes,
é geralmente oportunista e baseado em informações
técnicas e científicas inapropriadas (exceções
notáveis incluem algumas iniciativas isoladas na
Amazônia; Ruffino, 2004). Historicamente, as ações de
manejo incluem o controle da pesca, estocagem e construção
de escadas para transposição de peixes (escadas
de peixes) (Agostinho et al., 2004a). O controle da pesca
procura regular a captura de peixes jovens (comprimento
mínimo de captura e tamanho mínimo de malha)
e proteger locais de desova durante o período
reprodutivo. Porém, essas medidas são comprometidas
pela falta de informações sobre as populações de peixes,
de recursos financeiros e pelo limitado poder de
fiscalização.
As razões para as estocagens jamais foram claras (tais
como remediar a sobrepesca ou promover melhorias
na qualidade genética). Em geral, os esforços de estocagem
são “decorativos”, visam ganho eleitoral – tiram
proveito, por exemplo, das aspirações recreativas de
comunidades locais ou seguem uma prescrição equivocada
de reparação de danos ambientais (formação de
reservatórios ou poluição ocasional). Não existem no
Brasil estocagens sistemáticas, baseadas em informações
científicas e procedimentos básicos como a avaliação
dos riscos e estimativas da capacidade de suporte
são ignorados. Na maioria das vezes em que as
introduções ou transferências foram feitas, os peixes
liberados jamais foram posteriormente recapturados
(Agostinho et al., 2004a). Freqüentemente, espécies inadequadas
são estocadas em número, idade e tamanho
incorretos. Além disso, os locais e a estação do ano de
liberação são também equivocados. Como resultado, a
maioria das tentativas falham.
Escadas de peixes também resultaram em insucesso
pois elas apresentam elevada seletividade e os movimentos
são essencialmente unidirecionais. Na bacia do
rio Paraná, algumas escadas permitem que os peixes
entrem em um reservatório, onde não existem locais
adequados para a reprodução ou áreas de crescimento,
quando os peixes seriam capazes de reproduzir em tributários
abaixo da barragem (Agostinho et al., 2002).
Desta maneira, ao invés de contribuir para a manutenção
das populações locais, algumas escadas de peixes
estão contribuindo para a extinção de espécies migradoras,
para a proteção das quais elas foram construídas.
O monitoramento dos resultados ou da eficácia das
ações de manejo é geralmente inadequado, ausente ou
conduzido por um curto período de tempo. Conseqüentemente,
numerosas técnicas de manejo inapropriadas
continuaram sendo empregadas durante muito tempo.
Mesmo atualmente, projetos, estratégias e ações para
a “melhoria” dos recursos naturais são baseados em
crenças e impressões (isto é particularmente verdadeiro
para três décadas de programas de estocagem e construção
de escadas de peixes). Um exemplo perfeito é a
recente iniciativa do Governo Federal no fomento do
desenvolvimento da aqüicultura em águas públicas (com
tanques redes) que, certamente, resultará na introdução
de espécies exóticas, dispersão de doenças e eutrofização,
esta última geralmente acompanhada por
altas densidades de algas, inclusive tóxicas.
Algumas lições importantes foram aprendidas com
as falhas no manejo de recursos aquáticos no Brasil.
Primeiro, o manejo da pesca tem que dar igual prioridade
para a produção de peixes e a manutenção da biodiversidade.
Segundo, as ações de manejo devem
enfatizar a integridade de habitats, principalmente nas
áreas críticas para o ciclo de vida das espécies existentes
na bacia, e a manutenção ou regulação apropriada
do regime de cheias. Terceiro, todas as ações de manejo
devem ser acompanhadas do subseqüente monitoramento.
Finalmente, a legislação e o controle da pesca
requerem comunicação eficiente, realismo e clareza
na definição de objetivos, bem como um amplo envolvimento
das organizações de pescadores. O público e
as partes interessadas devem ser alertados para o fato
que a pesca é, também, indicadora de mudanças ambientais
e, portanto, desempenha um papel vital na conservação
(Agostinho & Gomes, 2002).
Programas para a conservação da biodiversidade de
água doce do Brasil deveriam considerar o conceito de
espécies guarda-chuva, nunca aplicado em ecossistemas
aquáticos. Apesar da maioria das espécies guarda
chuva serem grandes mamíferos ou aves (Roberge &
Angelstam, 2004), candidatos da água doce incluem
alguns peixes migradores, que são altamente dependentes
da integridade de amplas áreas de uma bacia
(cabeceiras, canais principais e planícies de inundação
associadas). A pirarara (Brachyplatystoma vaillantii) e o
dourado (Salminus maxillosus) são bons candidatos devido
à popularidade em todos os tipos de pesca. A conservação
de determinados trechos de rios principais e
suas planícies de inundação (com base no conceito de
corredores aquáticos e no entendimento do ciclo de
vida de espécies chave, especialmente peixes), bem
como a manutenção da integridade hidrológica da região,
são fundamentais para a preservação da biodiversidade
de águas interiores do Brasil e a conseqüente
manutenção de seus recursos aquáticos.

ANGELO A. AGOSTINHO*
SIDINEI M. THOMAZ
LUIZ C. GOMES

Departamento de Biologia. Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aqüacultura (Nupelia). Universidade Estadual de Maringá

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